Recentemente, enviaram-me um e-mail com uma socioexperiencia feita pelo Washington Post: convidaram o famoso violinista
Joshua Bell para tocar o seu Stradivarius numa estação de metro de Washington, de forma completamente anónima, no dia seguinte a ter dado um recital naquela cidade. O vídeo pode ser visto
aqui. Sucede que, no tempo em que decorreu a experiência, quase nenhuma das centenas ou milhares de pessoas que ali passou se deteve para o excutar enquanto no dia anterior encheu o Symphony Hall de Boston três dias antes e a pagar um nota, provavelmente. Depois, lá vem aquele relambório de que estamos a perder a poesia e que o ser humano está cada vez menos sensível à beleza, e pérolas a porcas, blá, blá, blá...
Se há pontos interessantes nesta reflexão, não deixa de haver igualmente falácias (estou a falar bem não estou?):
1- Músicos no metro em Washington é ao pontapé! Se a qualidade destes músicos for pelo menos tão boa como a dos que tocam no metro de Paris, um bom violinista sobressai muito menos do que se tocasse numa estação de Lisboa. Quem entrou no metro não escutou nada de substancialmente diferente, em termos de qualidade, do que noutra qualquer estação. Se tivessem posto um espetáculod e raios laser, já chamaria mais a atenção porque não é propriamente habitual. Se fosse, progressivamente, as pessoas começavam a ignorar.
2 - Quem passa pelo metro não tem de estar necessáriamente na disposição de mudar de agulhas para o modo "sala de concerto" ou "museu".
3- Não faz parte dos cânones de "ser uma pessoa decente" um gajo distinguir um excelente violinista e um violinista bom. Um melómano percebe, o cidadão comum à partida, não. O melómano está disposto a apgar para ouvir o excelente... Mas é injusto insinuar que quem não sabe apreciar uma boa partita de Bach é bruto. Ou quem não sabe distinguir um Miró de um Matisse. Ou quem não sabe reconhecer um selo valioso. Quem sabe se não me cruzei já com um escaravelho de uma espécie que se julgava extinta há muito? Sou bruto por ignorá-lo?
4 - A insensibilidade à beleza e ao génio não são um drama do Homem moderno. Já existem há muito tempo: Van Gogh, Bach, Rimbaud, também experimentaram o desprezo do público do seu tempo. Isto revela outro aspecto relativo à arte que é o elitismo. Surge da especialização de uma classe de pessoas que ambicionam sublimar a sua arte (nem acredito que escrevi isto...) e torná-la superlativa, difícil, subtil, nova, fracturante. Isso resulta quase sempre no afastamento do "grande público", que não é estimulado a acompanhar e aprender essas subtleizas. Se tivessem posto o Joshua Bell a tocar Bartok e a probabilidade de passar de ignorado a apedrejado aumenta substancialmente descendo proporcionalmente o nível de indignação perante o facto.