31 outubro 2007

Os sistemas


Existe uma fé generalizada de que a culpa e a solução dos problemas está no sistema. Uns apostam no sistema liberal, outros apostam num sistema socialista, outros em sistemas autoritários outros num sistema anárquico. Acredita-se que, se se mudarem as regras e a arquitectura da sociedade, os problemas resolvem-se. Existem áreas da nossa sociedade que têm servido de tubos de ensaio para novos sistemas: veja-se o ensino, por exemplo. Tem-se a ideia simplória de que se o modelo funciona lá fora aqui também funciona. E "modelos lá fora" que funcionem é coisa que não falta! Mas vai-se ver e poucos são os casos em que se notem melhorias significativas quando aplicados. Legisla-se e legisla-se e legisla-se por cima de legislação na esperança de afinar o sistema e pouco ou nada muda.
A malta vai a países civilizados e tudo funciona, ninguém estaciona em cima do passeio as ruas estão limpas, as fachadas estão limpas, todos pagam impostos alegremente, todos são educados e sofisticados... Uma maravilha! E porquê? Achamos nós que é o sistema.

Estou convencido que na maioria dos casos a mudança de sistema só muda as moscas. A raíz da maioria dos problemas estruturais é cultural e civilizacional. Numa cultura onde:
- a "esperteza" não é social e moralmente sancionada e onde o sucesso é visto com inveja e como produto de vigarice e sacanagem;
- não haja uma consiência e sentido de responsabilidade social e onde o "outro" é olhado com desconfiança e visto como um adversário e não um potencial aliado;
- todos se acham donos da razão e os demais são uns "tótós" atrasados mentais que não merecem um mínimo de consideração;
- não há vontade de aprender nem respeito pelo conhecimento e onde as elites olham com desdém a "arraia miúda" sem terem qualquer desejo de a chamar até si;
- as regras são para se quebrar;
- a autoridade não é respeitada nem se dá ao respeito;
- se acha que a causa dos problemas está nos comportamentos dos outros e nunca em si próprio;

As bases para a implementação um sistema caem por si. O liberalismo necessita de uma cultura de respeito pela liberdade dos outros e de um sentimento de responsabilidade dos indivíduos pelas suas acções; o socialismo necessita do sentimento de responsabilidade para com a sociedade em que cada um se sinta pertença do colectivo e ache que o deve servir. Os sistemas autoritários só funcionam enquanto as pessoas acharem que a liberdade que perderam é bem compensada por ganhos a outros níveis.

Por isso é que a implementação de qualquer sistema politico-social vindo de outra sociedade (onde este é um sucesso) não funciona. A cultura social portuguesa encarrega-se de a estraçalhar e subverter. Em muitos países subdesenvolvidos passa-se o mesmo: os modelos não encaixam na realidade cultural e social. Não resolvem nem mudam nada. Porque os modelos não mudam mentalidades. Já dizia Einstein que "era mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito". Eu acrescentaria que é mais fácil ultrapassar a velocidade da luz do que mudar uma cultura. Aliás, estou convencido que esta só se altera de dentro para fora.

7 Commets:

Anonymous Anónimo said...

Ja pensei como tu... mas agora ando um bocado ceptico. Dando o exemplo aqui da dinamarca, acho que o sistema esta feito para que quem prevarique seja apanhado. Depois, pode haver tudo aquilo que tu falas, mas apenas na condicao de quem prevaricar ser apanhado. Ai, todas essas boas intencoes servem para a pessoa se iludir e dizer que faz tudo correctamente porque é boa. Assim é feliz a cumprir a lei. Mas o verdadeiro motor é que se nao cumprir a lei tem uma penalizacao. Aqui nao ha hipotese de fugir as regras porque se é logo apanhado. As pessoas nao sao mais civilizadas. Na minha opiniao sao até menos. Sao é todos policias uns dos outros. Em muitos locais, em condominios, por exemplo, os moradores tem o poder de passar multas de estacionamento. E estao todos ansiosos por o fazer. Basta ver que nos casos em que nao ha penalizacao, as regras sao infringidas.
Agora o que dizes da chico-esperteza é verdade. Aqui há uma grande penalizacao social para o chico-esperto.
Estou convencido que portugal se desenvolveria se houvesse justica eficiente, simples e barata para todos. Ou seja, se o sistema funcionasse. Sendo socialista ou liberar, isso pouco me interessa. Desde que fosse transparente, e "accountable"...

Abracos, Rodrigo

1:16 da tarde  
Blogger NC said...

«Em muitos locais, em condominios, por exemplo, os moradores tem o poder de passar multas de estacionamento.»

São exactamente exemplos como estes que suportam a minha posta. Em Portugal, por exemplo, ninguém quer fiscalizar ninguém. A não ser que advenha daí algum benefício directo. Aposto que na Dinamarca esta atitude é mais desinteressada.

O que se calhar acontece (tu poderás aferir isso melhor que eu) é que sistema Dinamarquês está dimensionado para a cultura dinamarquesa e tenta enaltecer os aspectos que ache que são benéficos. No caso que referes, aproveitam a propensão natural (julgo eu) para a autoregulação dos cidadãos. Uma característica tão necessária numa sociedade liberal, diga-se.

«Estou convencido que portugal se desenvolveria se houvesse justica eficiente, simples e barata para todos.»
Não há sistema que funcione se esta condição não estiver satisfeita - com excepção da anarquia. A justiça é um exemplo gritante do desfasamento entre o país real e a elite dirigente. O edifício jurídico e judicial é complicadíssimo e parece desenhado para não funcionar.

2:17 da tarde  
Blogger alf said...

Há dias vi um documentário sobre a "sharia" na Nigéria. Eles têm dois sistemas de justiça e a pessoa pode optar qual quer: o da justiça tradicional, com advogados, moroso como todos, e o da sharia, qu edepende de um juíz, sem advogados, que funciona na hora e onde a pessoa pode optar por levar umas chicotadas em vez de ir para prisão.

Na Nigéria não condenam mulheres ao apederjamento e essa coisas que fazem na Arábia Saudita.

Qual é o sistema que penbsam que as pessoas preferem? E não é por uma questão religiosa..

6:51 da tarde  
Blogger alf said...

Tarzan,o grande problema de cá, em minha opinião, é a falta de preparação das pessoas para o mundo de hoje

Tem duas raizes

Uma - o ensino não prepara as pessoas para serem empresários. Como querem ter 10% de empresários se ninguém sabe o que é isso? É preciso um curso superior para se ser secretária e para se ser empresário não é preciso nada?

Duas - a maioria da população é analfabeta funcional, o que significa que a maioria dos pais não é capaz de assegurar o necessário desenvolviemnto mental dos seus filhos até à idade escolar.
A forma mais fácil de ultrapassar esta dificuldade é com um bom pré-escolar. Ao fim destes anos todos ainda não se conseguiu um pré-escolar à altura.

7:01 da tarde  
Blogger NC said...

Alf,

Eu também vi esse documentário. Interessante.

«Na Nigéria não condenam mulheres ao apederjamento e essa coisas que fazem na Arábia Saudita.»

Olhe que não foi há muito tempo que andou por aí uma iniciativa internacional para evitar um apedrejamento na Nigéria.

Mas ainda assim conseguiu dar um exemplo de um sistema adequado à cultura.

«Uma - o ensino não prepara as pessoas para serem empresários.»

Bingo! Acertou na mosca!

«Duas» 100% de acordo.

7:20 da tarde  
Blogger RioDoiro said...

Muito bem.

.

9:47 da tarde  
Blogger ablogando said...

Eu diria, penso que mais apropriadamente, que não há preparação para aqueles que têm espírito empreendedor - que são sempre uma minoria. Mas também que há muitos (conheço alguns) que, possuindo-o e tendo-se preparado, vêem o meio abafar-lhes os projectos por compadrios de tacanhez.

7:01 da tarde  

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