30 outubro 2007

Um pouco de "litracia" financeira


Um comentário à minha anterior posta veio-me relembrar que o nível de literacia económico- financeira do público nacional não permite que se entendam completamente certas questões. Mesmo por parte de quem as capacidades intelectuais estão acima de qualquer suspeita. Nisto da alta finança às vezes é preciso "dar o litro" para se conseguir perceber o que está em causa. Uma vez que a escola se esqueceu desse por-menor na educação dos cidadãos, a Caldeirada vai prestar esse serviço público explicando como funcionam as taxas de juro de referência no sector bancário.

De facto, os bancos não são mais que meros intermediários. Captam moeda oferecendo depósitos e emprestam esse dinheiro a quem deseje contrair empréstimo. Prestam ainda um serviço de gestão de activos e aconselhamento de aplicações a clientes. A diferença entre a taxa de juro cobrada nos empréstimos e a oferecida nos depósitos dá o lucro que os bancos arrecadam. A taxa de juro é um preço, neste caso o preço do dinheiro.
Depois existe o Banco Central que controla a massa monetária com o objectivo de controlar diversos aspecto da (macro)economia. O Banco Central, no nosso caso o BCE, dispõe de diversos meios de controlar o fluxo monetário e assim tentar controlar a inflação. Os principais são:
- Emissão e recolha de moeda.
- Fixação de reservas obrigatórias no sector bancário: tem por objectivo garantir uma liquidez mínima de forma a que não haja falta de dinheiro "na mão" dos clientes.
- Fixação de uma taxa de juro central: A taxa de juro central é aquela à qual o Banco Central empresta dinheiro às instituições bancárias que necessitem regularizar as suas reservas legais.

O objectivo primário da fixação da taxa de juro de referência é adequar o preço do dinheiro ao crescimento da economia e à evolução da inflação. O Banco Central não é a única fonte de liquidez dos bancos já que estes podem ir buscar dinheiro ao mercado monetário - no qual participam todos os bancos - ou captar através do aforro dos seu clientes. No entanto, a de referência acaba sempre por ter impacto nas taxas a que o público tem acesso. Por sua vez, as taxas de juro ao público condicionam a quantidade de moeda em circulação, a actividade económica e a actividade financeira. O enorme intrincado de efeitos directos e indirectos torna a regulação central uma “arte” complexa e sempre discutível.
A taxa a que o público se financia depende quase sempre de taxas de referência, no caso europeu das EURIBOR. Basicamente estas são as taxas (para maturidades diferentes) a que os bancos emprestam dinheiro uns aos outros dependendo da duração dos empréstimos. Esta consiste numa média das taxas de juro anunciadas por 4 500 bancos pertencentes a 24 países da UE, Islândia, Noruega, Suíça e Associação de Mercados Financeiros (para evitar a cartelização). Esta taxa é, dentro das limitações da metodologia encontrada, uma taxa de mercado e que tende a reflectir a expectativa de subida/descida da taxa do Banco Central no futuro (a 3, 6 e 12 meses) e representa o próprio risco intrínseco da banca (daí o spread face à taxa de referência).
A taxa a que pagamos os empréstimos toma por referência a Euribor à qual ainda se acrescenta um spread ou margem. O spread marca basicamente a diferença entre o que o cliente paga pelo dinheiro e o preço que o dinheiro está cotado no mercado interbancário. O lucro dos bancos na concessão de empréstimos advém do spread que é apenas uma parcela da taxa de juro total. Claro que depois há diversas estratégias dos bancos para a fixação da margem de lucro: umas optam por cobrar spreads baixos mas associam outros produtos financeiros como condição para a concessão do empréstimo como sejam seguros, domiciliação de despesas, etc... que se traduzem em comissões e que representam uma parcela significativa dos resultados da banca.

PS: Posta escrita em estreita colaboração com o consultor Bruno ao qual se agradece o tempo e conhecimento dispensado.

8 Commets:

Blogger alf said...

O meu comentário no post anterior foi,em parte, uma provocação. Sem provocações as pessoas não abanam as suas certezas, logo não chegam à essência das questões.

Tarzan, já agora explique-me uma coisa: onde é que entra a taxa de juro paga aos depositantes nestas suas contas?

6:53 da tarde  
Blogger alf said...

E agora, vamos agitar mais um bocadinho as ideias.

Qualquer sistema de dois intervenientes interdependentes, como um sistema produtor-consumidor, é um sistema presa-predador de 1º nível.

Todos os sistemas interactivos só têm equilibrio dinâmico, oscilatório; mas os sistemas de 1º nível só oscilam entre extremos, vão da catástrofe ao excesso e vice-versa.

veja-se o meu post http://outramargem-alf.blogspot.com/2007/08/presas-e-predadores-1.html

A grande crise da economia americana foi o comportamento típico de um sistema produtor-consumidor entregue a si mesmo.

A Natureza também começou assim. No príncípio era o paraíso, CO2 e compostos de Azoto por todo o lado, às células vivas nada faltava!

Mas depois, quando os nutrientes começaram a escassear para a dimensão que a vida tinha tomado, começaram as catastróficas oscilações do ciclo.

Ao longo de milhares de milhões de anos, a Natureza foi encontrando forma de atenuar este grave problema.

Da situação de dois componente - vida e nutrientes - criou o que se chama a cadeia alimentar, que podemos resumir a 3 para esta discussão: plantas, herbívoros e carnívoros.

Isto já melhora a situação mas está longe de ser suficiente.

Nos mamíferos foi introduzida uma novidade: dispositivos de auto-regulação. Nos carnívoros é o instinto territorial que estabelece a autoregulação, o número máximo de carnívoros está limitado pelo território disponível. Nos herbívoros, têm sido observados comportamentos de suicidio em massa qd o seu nº se torna excessivo.

Nas espécies anteriores esta autoregulação parece não existir, daí que facilmente posssam originar desiquilibrios que designamos por pragas. O instável equilibrio das espécies anteriores aos mamíferos depende de uma teia complexa de interdependências mas, na realidade, só não se desiquilibra catastroficamente graça à acção predadora dos mamíferos, nomeadamente o Homem.

Isto para dizer que a ideia de que a economia é um sistema que se autoequilibra é um erro dramático.

A Natureza recorre a complexos mecanismos para manter algum equilibrio, como o da autolimitação (coisa que tende a desaparecer dos processos económicos); mas não se pense que a natureza está bem equilibrada - basta o CO2 descer para valores da ordem dos 200 ppm para uma catástrofe se abater sobre os seres vivos - a grande diminuição da velocidade de crescimento das plantas desiquilibrará todo o sistema para além das suas capacidades de autoregulação.

(nos eventos de Heinrich, altura em que o CO2 desceu a esses valores, os sedimentos de foraminíferas desapareceram do fundo dos oceanos)

Não é interessante cruzar conhecimentos de diferentes áreas?

7:18 da tarde  
Blogger NC said...

alf,

em primeiro lugar, eu entendo e agradeço sempre as suas provocações. Elas servem para aprofundar, de parte a parte, o Conhecimento. Mas essa do cartel... Estava a pedi-las ;-)

«onde é que entra a taxa de juro paga aos depositantes nestas suas contas»

Essa é ao critério de cada banco, da mesma forma que as taxas de juro do empréstimo. Exactamente igual mas com um spread ao contrário.

Nesta sua nova provocação está a tentar estabelecer uma analogia entre a Natureza e o Estado? É que os processos naturais são muito complexos que nenhum homem ou comunidade científica os conseguiu perceber na sua totalidade. Descobrem-se factores atrás de factores, mas unificar todo esse conhecimento é que é difícil. Da mesma forma, um Estado que se arroga de ser todo poderoso omnisciente e se acha capaz de saltar as dolorosas etapas da evolução, arrisca-se a cometer grandes asneiras.

7:52 da tarde  
Blogger NC said...

Quanto aos ciclos económicos, eles parecem-se de facto com o ciclo predador-presa. A analogia é interessante mas não sei se será sensato levá-la muito a sério porque têm raízes muito diferentes.

Há países mais preocupados em controlar os ciclos económicos e outros menos. Uns têm sucesso outros não. Com a globalização podemos ter dois extremos:

a) As economias mundiais sincronizam-se e passamos a ter expansões e recessões amplificadas;
b) As economias tornam-se mais interdependentes mas mais diversificadas de forma a que um mau momento num determinado país é compensado com um bom momento noutro, havendo compensações e as flutuações, a nível mundial, tenderão a atenuar-se.

8:41 da tarde  
Blogger alf said...

Tarzan
Só um detalhe - os lucros do banco dependem muito da diferença entra a taxa de juro cobrada no dinheiro que empresta e a paga no dinheiro que recebe dos depositantes.

A taxa interbancária deve ser irrelevante para os lucros dos bancos porque é um negócio em círculo fechado, ente bancos. Só não é irrelevante porque quanto maior for mais margem de manobra dá aos bancos para aumentar a diferença entre os juros que paga e os que cobra.


Por exemplo, se a taxa interbancária for de 1%, o banco irá cobrar por exemplo um juro médio de 2% e pagar um juro médio de 0,5%, obtendo um diferencial de 1,5%

Se a taxa for de 5%, o juro cobrado poderá ser de 5.5% e o pago de 3%, resultando um lucro de 2,5% apesar do menor spread

Por isso a taxa de juro de referE^ncia é ajustada comforme a disponibilidade de capital para maximizar as receitas dos bancos.

A recente crise foi isso - uma falta de disponibilidade financeira, logo o juro subiu para manter os lucros dos bancos. Despois tiveram de arrepiar caminho porque por aí ainda aumentaram mais a escassez de dinheiro

Tou certo ou tou errado?

6:43 da tarde  
Blogger NC said...

Alf,

No exemplo que deu, o spread para empréstimo e depósitos altera-se nos dois cenários. Porquê?

As subidas das taxas de juro tiveram por objectivo controlar a inflação (ou "arrefecer" a economia, como alguns gostam de dizer).
Isso não teve a ver com o caso da bolha especulativa no sector imobiliário. Aí diversos Bancos Centrais vieram anunciar que evitariam o colapso dos bancos em risco de bancarrota (por estarem mais expostos ao sub-prime) disponibilizando-lhes dinheiro. Houve episódios de corrida aos bancos e para parar o alarmismo os bancos centrais optaram por essa medida que tem por efeito o aumento da massa monetária (e não a sua escassez), logo o aumento da inflação.

7:16 da tarde  
Blogger alf said...

Tarzan

Se fizesse o mesmo spread mais forte seria ainda o meu argumento - com taxa de 1% o banco só ganharia 1% em juros. Imagino que numa situação de baixa taxa de juro os bancos aumentem o spread. Fiz diferente o spread no sdois casos para corresponder melhor à realidade. Não altera a conclusão - os lucros dos bancos crescem com a taxa de referência.

Aumentar a taxa de juro aumenta a massa monetária qd ela está disponível. Ora a crise resultava precisamente de ela não estar disponível, as pessoas não estarem a pagar os empréstimos. Neste caso, o aumento da taxa de referÊncia só se entende numa óptima de minimizar os prejuizos dos bancos. Cá para mim, que não sou especialista nestas coisas...

7:25 da tarde  
Blogger NC said...

«Imagino que numa situação de baixa taxa de juro os bancos aumentem o spread.»

Pois pensou mal. Este é o verdadeiro preço com o qual os bancos concorrem.

Com o aumento do spread os clientes tendem a pressionar os bancos para lhes baixarem o spread dos empréstimos. Já aconteceu comigo.

A crise da falta de liquidez agravou-se precisamente porque a taxa de referência subiu e ficou mais difícil às famílias pagarem os seus empréstimos. A subida das taxas de juro nas actuais circunstâncias sío trouxe dores de cabeça aos bancos, que no passado foram pouco cautelosos na concessão de crédito. Nada que não se suspeitasse poder vir a acontecer.

10:24 da manhã  

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