28 outubro 2007

As pérolas da Visão


Eu que pensava que me ia divertir à grande a desmontar a última Visão dedicada ao ambiente… Não há assim tanto para “malhar” quanto isso e até há bastantes pontos positivos a salientar.

É claro que esta edição tem de ser vista como filtro. No fundo trata-se de um panfleto disfarçado de informação, o que é coerente com a orientação da revista para as “causas”. Só que não é informação. Poderia perfeitamente ser uma newsletter da Quercus (e não d’Os Verdes). Há uma flagrante ausência de contraditório, em especial no que se trata de aquecimento global e os “contras” de certas alternativas ambientais com algumas honrosas excepções. No que toca à consciencialização ambiental a orientação parece-me globalmente positiva.

Comecemos pelos pontos positivos:

- O suplemento Sete traz um conjunto de sugestões para melhorar os nossos comportamentos quotidianos. Os artigos dedicam-se a fazer publicidade (mal disfarçada) a marcas e produtos, mas não vejo grande inconveniente e “premiar” os pioneiros na fabricação de produtos mais amigos do ambiente e mais racionais do ponto de vista energético. Além disso, contribui para estarmos mais informados enquanto consumidores.
- No corpo da revista traz também uma série de outros conselhos em como tornar o nosso dia a dia mais ecológico. Aqui há que aplaudir o enfoque na racionalidade e no combate ao desperdício. Esta deveria ser a orientação ecológica por excelência em vez de andarem constantemente a assustarem a opinião pública com catástrofes e a incutir sentimentos de culpa por sermos tão avançados e por fazermos dói-dói ao planeta. Pelo contrário, centra-se na responsabilização de todos os indivíduos pela preservação do ambiente e dos recursos, em vez de se limitarem a culpar governos, empresas e “Georges Bushes”.
- O único artigo de contraditório digno desse nome debruça-se sobre a problemática do etanol. O enfoque é mais político –a estratégia político-económica da América do Sul, problemas de semi-escravatura - do que técnico e estou em crer que a razão porque ele aparece é para atacar…o Bush, claro está. Mas, no total, o saldo é positivo pois alerta para a “burrada” que pode ser a massificação do etanol e biodiesel a nível internacional.
- O caso da Câmara Municipal de Óbidos é bastante interessante e destaco um projecto a implementar – que não é novidade lá fora – que é o de cobrar uma taxa de recolha de lixo proporcional à quantidade de lixo gerada. Esta ideia creio que até já foi referida neste blogue.
- O artigo do RAP de onde apenas destaco a frase «O planeta que vá gozar com a mãe dele». A crónica está genial. Certeira e inteligente. A não perder.

Vamos lá então às pérolas:

- A dimensão da revista: 252 páginas de papel. Dá ideia que o lema é “vale a pena sacrificar o ambiente desde que seja em nome do ambiente”. Por cada revista vendida será plantada uma “árvore hipernatura”. Esperemos que isso venha mesmo a acontecer porque com uma tiragem que andará nos 100 000 exemplares há muita arvorezinha a repor.
- A profissão de fé catastrofista e dogmática em relação ao aquecimento global já se esperava em bovina subserviência às teses do Nobel Al Gore (o papa) e do IPCC (prelado ambiental). Como diz Izzi num comentário anterior: “que canseira”.
- Há uma excessiva politização do tema ambiente: ministro para aqui, comissário para ali, o que é que aquele fez ou não fez. É interessante que o político é quase sempre visto como o culpado e, ao mesmo tempo, a solução para o ambiente. Um paradoxo em que os media insistem.
- A ideia de avaliar as bancadas parlamentares quanto à sua pegada ambiental parece encomendada pelo bloco de esquerda. Não duvido que serão eles, em conjunto com Os Verdes, os mais consequentes no que toca ao seu estilo de vida. Mas os resultados estão um pouco distorcidos porque há muito deputado que vive no “Cú-de-Judas” (que o elegeu e que ele representa) e não tem outro remédio que andar muitas horas de avião e/ou de automóvel. Não é o caso da maioria dos deputados do BE. Quem faça o seu dia-a-dia no eixo Marquês de Pombal – S.Bento em transportes de certeza que já se cruzou com o Louçã. Pudera! Ele vive na Duque de Loulé. Mas também já o vi a apanhar um taxi no Marquês: transportes públicos são ecológicos mas um bocado ineficientes para quem tem horários a cumprir… Resumindo, quem sai beneficiado neste ranking é o menino da cidade.
- Volta-se a falar de lâmpadas compactas, automóveis híbridos, etc… mas não se explicam os contras e o critério com que devem ser utilizados para serem realmente vantajosos.
- Houve uma sugestão a que achei especial piada e que foi a do redutor de fluxo. Ao que parece trata-se de “uma pequena peça que reduz em cerca de 50% o caudal da torneira”. Isto, meus amigos, faz-me lembrar um aparelho que tenho instalado em minha casa, que tenho ideia de ter visto enquanto vivi em casa dos meus pais e…, agora que me lembro, já encontrei nas casas de todos os meus amigos e familiares que conheço. Aquilo chama-se… está mesmo debaixo da língua, hmmm. Torneira! É isso. É uma cena que permite regular o caudal de água que sai do cano. Comprar um redutor é parvo, é desperdício, é redundante.
- A entrevista ao António Mexia (que deixa luzes acesas durante a noite mas garante que são económicas) enquadra-se no limbo entre a propaganda e a publicidade. É por estas e por outras que a imagem da EDP tem saído do marasmo em que se encontrava. Bom para a EDP. Só que o negócio da eólicas serve um lóbi e é o que na gíria se costuma chamar “uma mama”. Os leitores deveriam ser informados de quanto lhes vai custar a ecologia no futuro.
- A exaltação da agricultura biológica também pode ter um lado perverso. Em grande escala e sem se tomarem as devidas precauções, pode levar a problemas de escassez. Por alguma razão se investiu, no último século, em químicos que preservassem as colheitas.
- A revista agradece, na página 15, a todos os patrocinadores desta edição. É curioso constatar que entre a cerca de meia centena de patrocínios se encontra o da própria Visão. Confesso que desconhecia esta modalidade.

Conclusão: Um panfleto bem conseguido, educativo e que reflecte o “estado da arte” do ambientalismo popular.