O último
happening no mundo do espectáculo vai decerto tornar-se um marco na história da indústria discográfica. Para quem não sabe, os Radiohead mandaram a sua editora às urtigas e decidiram distribuir o seu novo álbum na Internet. Com distribuir não se quer dizer vender. Os
Radiohead decidiram ser originais e deixaram ao critério de cada ouvinte o preço a pagar pelo álbum: de
zero a infinito. Por serem os Radiohead, o impacto desta acção é uma pedrada no charco e um enorme manguito às editoras. É apenas mais uma manifestação da transformação da indústria discográfica e do negócio dos músicos, mas tem um simbolismo que será lembrado como o momento da viragem.
Não acredito que signifique o fim da música em suporte físico (até se voltaram a vender LP’s em vinil!). Essa terá sempre um público de nicho dispostos a continuar a pagar por ter um objecto com carácter artístico (as capas, os
digipacks e as letras) e capaz de proporcionar uma qualidade sonora superior à da média dos ficheiros digitais (até ver…).
Esta estratégia dos Radiohead consiste - na prática e de uma forma bastante cool e adequada ao seu núcleo de fãs - em distribuir gratuitamente o seu álbum dando a opção ao downloader de fazer um donativo à banda. No fundo é isto só que embalado com a dose certa de idealismo e espírito revolucionário. Brilhante!
Não acredito que a generalização deste modus operandi (hoje estou cheio de estrangeirismos! Pareço mesmo um crítico de música de um qualquer jornal de grande tiragem) consiga rentabilizar, por si, a música oferecida. Para haver criação de valor num mercado tem de haver um ingrediente importante: a escassez... Se o download é passível de ser gratuito, deixa de haver escassez. Mas essa é a tendência actual graças aos programas de file-sharing. Não havendo escassez, a banalização destas campanhas gerará prejuízos pois em média os donativos tenderão a ser nulos.
Existe, no entanto, a possibilidade de rentabilizar a distribuição digital de músicas. Basta que se criem os incentivos certos. E para isso faz falta outro ingrediente importante: a imaginação. Dou um exemplo praticável em bandas com legiões de fãs relevantes: se estas fizerem depender o número de concertos a dar em cada país ou cidade de determinadas quotas de donativos estas conseguirão facilmente pôr os seus álbuns digitais a dar lucro. Basta que, como os Radiohead, dêem à coisa um ar cool e nada interesseiro.
A questão dos concertos não é, aliás despicienda. Esta é actualmente a grande fonte de receitas das bandas (as receitas dos discos ficam, na sua maioria com as editoras). Apenas os grandes artistas conseguem ver algum da venda dos seus discos. Os Radiohead, mais uma vez, a par da distribuição do seu novo álbum anunciaram que vão dar muito poucos concertos. Os ficheiros são o “isco” para arrastarem os seus fãs a encher estádios que, já vão avisando, serão poucos. Sendo poucos, já se está mesmo a ver que esses mesmos bilhetes serão vendidos a preços exorbitantes (se não for no mercado branco, será no negro).
Esta previsível revolução no mundo do espectáculo consistirá no empowerment (toma!) artístico e financeiro dos artistas. Estes dependerão cada vez menos das editoras na definição da forma e conteúdo do material que editam. Tenderão a tomar cada vez mais nas suas mãos o desenvolvimento das suas carreiras. Esta fragmentação do negócio trará mais concorrência mas, acima de tudo, serão um incentivo à criatividade, o que só poderá ser encarado com optimismo por parte do público. As bandas vão ter de começar a perceber do negócio e do meio em que se movem (ou a contratar alguém que perceba) uma vez que o talento musical não basta – não faltam exemplos na história da música de intérpretes e compositores brilhantes mas que fracassaram nas suas carreiras por não entenderem ou não se quererem adaptar ao mercado musical.
Estas são apenas as minhas conjecturas. Será interessante acompanhar o desenrolar desta aventura e ver até que ponto o que acabei de escrever será uma patacuada.
1 Commets:
Estás um verdadeiro crítico musical...bravo!
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