O aborto e as "meias-tintas"
Se há assunto que desperta grandes paixões nas conversas/debates é a despenalização do aborto. Noto que o as posições são tão ou mais apaixonadas do que o eram por alturas do último referendo. Em muitos casos nota-se pouco respeito entre as duas “facções”, o que revela a dificuldade da opinião pública em geral - muito inspirada no comportamento da generalidade dos nossos políticos – em discutir argumentos sem se barricar ou vexar a parte “contrária”.
Ouvindo notícias e conversas, dá a ideia que o “sim” no referendo implicará total liberdade para abortar, o que não é verdade. O que irá acontecer é tão só levantar as excepções (que permitem a interrupção da gravidez até às 10 semanas) que estão consagradas actualmente na lei. Esta proposta é mais permissiva do que a votada há 8 anos mas, convenhamos, não irá trazer, na prática, nada de novo. Trata-se, no meu entender, de uma questão essencialmente política. Política, mas com poucos efeitos na vida prática. Meias-tintas, portanto.
Tratando-se mais de uma questão política que outra coisa, estamos perante algo parecido a um jogo de xadrez. Temos duas “equipas” que se confrontam, com um determinado objectivo, recorrendo a determinados meios e técnicas e que procuram ganhar. E ganhar é a palavra-chave. O importante é ganhar este jogo, as consequências do jogo são uma questão secundária. Generalizo, é claro.
O objectivo do jogo é convencer a população a votar a favor/contra a despenalização do aborto até às 10 semanas. Quem atingir o objectivo (e só um o pode fazer) infligirá pesada derrota sobre o adversário. Só este entusiasmo por uma vitória política é que poderá explicar tanta paixão.
Nem o aborto vai ser totalmente livre, como os defensores do “sim” parecem fazer crer nem irá ser totalmente proibido, como os defensores do “não” também pretendem fazer crer. Mas esta é que é a questão política: uns defendem o direito absoluto à vida e outros a liberdade de escolha.
Numa perspectiva coerente e radical (no bom sentido), os defensores do direito à vida deveriam estar a lutar pela protecção da vida humana desde o seu início e os defensores da liberdade de escolha deveriam estar a lutar pelo direito à mulher poder escolher ter dentro do seu corpo outro ser humano. E ninguém o faz explicitamente por achar que essas posições são, aos olhos da sociedade actual, radicais (no mau sentido) e extremadas. Mas deveriam ser essas as questões a debater: como resolver a incompatibilidade entre o dever de defender a vida humana e a liberdade de escolha. Se se considerar o direito à vida como absoluto então defenda-se esta até ao fim. Se se puser a questão como o direito de escolha então defenda-se essa opção até às últimas consequências. Tudo o resto são…meias-tintas.
É claro que a questão não é, na realidade, assim tão simples. A fronteira entre a existência ou não de vida humana não está bem definida; muitas vezes o aborto representa a opção entre duas vidas (a da mãe e a do feto); a opção de deixar prosseguir uma gravidez fruto de violação é tudo menos simples; por mais que se proíba uma determinada realidade, se houver um número significativo de pessoas empenhado em ultrapassar essa dificuldade fá-lo-á (chama-se força de mercado…) e portanto a eficácia de uma lei é sempre relativa e pode trazer efeitos perversos; etc… Depois há a questão de saber se a criminalização do aborto sob qualquer circunstância será a forma mais adequada para a defesa da vida humana. E daí, se fosse uma questão fácil, já estaria resolvida.
Numa perspectiva liberal, o direito à escolha é soberano mas não absoluto. Quando as escolhas envolvem terceiros tem de ser dada atenção a estes. Devem existir regras que permitam que terceiros não sejam negativamente afectados sem terem oportunidade de se pronunciar sobre o assunto. Numa perspectiva liberal a questão que se põe é saber se o embrião/feto é um terceiro ou não. Se não for, a decisão da mãe prevalece; se for terão de ser dados direitos e garantias que permitam que decisões de outros não sejam substancialmente intrusivas e violadoras dos seus direitos humanos. “Nobody's rights can negate anyone else's”.
Ouvindo notícias e conversas, dá a ideia que o “sim” no referendo implicará total liberdade para abortar, o que não é verdade. O que irá acontecer é tão só levantar as excepções (que permitem a interrupção da gravidez até às 10 semanas) que estão consagradas actualmente na lei. Esta proposta é mais permissiva do que a votada há 8 anos mas, convenhamos, não irá trazer, na prática, nada de novo. Trata-se, no meu entender, de uma questão essencialmente política. Política, mas com poucos efeitos na vida prática. Meias-tintas, portanto.
Tratando-se mais de uma questão política que outra coisa, estamos perante algo parecido a um jogo de xadrez. Temos duas “equipas” que se confrontam, com um determinado objectivo, recorrendo a determinados meios e técnicas e que procuram ganhar. E ganhar é a palavra-chave. O importante é ganhar este jogo, as consequências do jogo são uma questão secundária. Generalizo, é claro.
O objectivo do jogo é convencer a população a votar a favor/contra a despenalização do aborto até às 10 semanas. Quem atingir o objectivo (e só um o pode fazer) infligirá pesada derrota sobre o adversário. Só este entusiasmo por uma vitória política é que poderá explicar tanta paixão.
Nem o aborto vai ser totalmente livre, como os defensores do “sim” parecem fazer crer nem irá ser totalmente proibido, como os defensores do “não” também pretendem fazer crer. Mas esta é que é a questão política: uns defendem o direito absoluto à vida e outros a liberdade de escolha.
Numa perspectiva coerente e radical (no bom sentido), os defensores do direito à vida deveriam estar a lutar pela protecção da vida humana desde o seu início e os defensores da liberdade de escolha deveriam estar a lutar pelo direito à mulher poder escolher ter dentro do seu corpo outro ser humano. E ninguém o faz explicitamente por achar que essas posições são, aos olhos da sociedade actual, radicais (no mau sentido) e extremadas. Mas deveriam ser essas as questões a debater: como resolver a incompatibilidade entre o dever de defender a vida humana e a liberdade de escolha. Se se considerar o direito à vida como absoluto então defenda-se esta até ao fim. Se se puser a questão como o direito de escolha então defenda-se essa opção até às últimas consequências. Tudo o resto são…meias-tintas.
É claro que a questão não é, na realidade, assim tão simples. A fronteira entre a existência ou não de vida humana não está bem definida; muitas vezes o aborto representa a opção entre duas vidas (a da mãe e a do feto); a opção de deixar prosseguir uma gravidez fruto de violação é tudo menos simples; por mais que se proíba uma determinada realidade, se houver um número significativo de pessoas empenhado em ultrapassar essa dificuldade fá-lo-á (chama-se força de mercado…) e portanto a eficácia de uma lei é sempre relativa e pode trazer efeitos perversos; etc… Depois há a questão de saber se a criminalização do aborto sob qualquer circunstância será a forma mais adequada para a defesa da vida humana. E daí, se fosse uma questão fácil, já estaria resolvida.
Numa perspectiva liberal, o direito à escolha é soberano mas não absoluto. Quando as escolhas envolvem terceiros tem de ser dada atenção a estes. Devem existir regras que permitam que terceiros não sejam negativamente afectados sem terem oportunidade de se pronunciar sobre o assunto. Numa perspectiva liberal a questão que se põe é saber se o embrião/feto é um terceiro ou não. Se não for, a decisão da mãe prevalece; se for terão de ser dados direitos e garantias que permitam que decisões de outros não sejam substancialmente intrusivas e violadoras dos seus direitos humanos. “Nobody's rights can negate anyone else's”.
8 Commets:
Numa perspectiva liberal a questão que se põe é saber se o embrião/feto é um terceiro ou não.
Se não for, não há questão moral.
Numa perspectiva liberal, mesmo que o feto seja uma pessoa, os seus direitos serão os individuais, definidos de acordo com "Nobody's rights can negate anyone else's". Ora, o corpo de uma pessoa é seu direito exclusivo, tal como a sua vontade. Toda a pessoa tem o direito a dispôr do seu próprio corpo como entender. E ninguém tem o direito a usar o corpo de outra pessoa, seja por que motivos for. Ou seja, o feto-pessoa não terá direito ao sustento fisiológico da mãe. Se a mãe o negar (e pode fazê-lo agindo sobre o seu próprio corpo) estará a exercer um direito seu. Se eu quiser usar um vocabulário objectivista (radicalmente individualista), a única posição moral é a que dá à mãe plena soberania sobre o seu corpo. A posição inversa é a altruista - a doutrina que diz que o homem deve ser uma ferramenta de outros.
Escrevi um pouco sobre isto aqui, e conto hoje ou amanhã voltar a estes dilemas...
Tarzan, o que se segue pode ser visto como spam: não me chateio se for daqui apagado sem cerimónias.
De Rothbard, Ethics of Liberty:
The proper groundwork for analysis of abortion is in every man’s absolute right of self-ownership. This implies immediately that every woman has the absolute right to her own body, that she has absolute dominion over her body and everything within it. This includes the fetus. Most fetuses are in the mother’s womb because the mother consents to this situation, but the fetus is there by the mother’s freely-granted consent. But should the mother decide that she does not want the fetus there any longer, then the fetus becomes a parasitic “invader” of her person, and the mother has the perfect right to expel this invader from her domain. Abortion should be looked upon, not as “murder” of a living person, but as the expulsion of an unwanted invader from the mother’s body. Any laws restricting or prohibiting abortion are therefore invasions of the rights of mothers.
It has been objected that since the mother originally consented to the conception, the mother has therefore “contracted” its status with the fetus, and may not “violate” that “contract” by having an abortion. There are many problems with this doctrine, however. In the first place, as we shall see further below, a mere promise is not an enforceable contract: contracts are only properly enforceable if their violation involves implicit theft, and clearly no such consideration can apply here. Secondly, there is obviously no “contract” here, since the fetus (fertilized ovum?) can hardly be considered a voluntarily and consciously contracting entity. And thirdly as we have seen above, a crucial point in libertarian theory is the inalienability of the will, and therefore the impermissibility of enforcing voluntary slave contracts. Even if this had been a “contract,” then, it could not be enforced because a mother’s will is inalienable, and she cannot legitimately be enslaved into carrying and having a baby against her will.
Another argument of the anti-abortionists is that the fetus is a living human being, and is therefore entitled to all of the rights of human beings. Very good; let us concede, for purposes of the discussion, that fetuses are human beings—or, more broadly, potential human beings—and are therefore entitled to full human rights. But what humans, we may ask, have the right to be coercive parasites within the body of an unwilling human host? Clearly no born humans have such a right, and therefore, a fortiori, the fetus can have no such right either.
Pelo contrário. Toda a contribuição construtiva é muito bem-vinda.
O texto de Routhbard apoia-se muito na classificação do embrião/feto como um parasita. Apesar de, à luz dos meus valores, não concordar com a classificação, aceito que outros a assumam.
Ainda assim, ponho a questão: será aceitável que a expulsão de um intruso, sendo ele humano, justifica sempre a sua morte? Não haverá necessidade de proporcionalidade?
Se um desconhecido me entra em casa, só em ocasiões muito concretas terei o direito de a matar. Porque é que a "remoção" do parasita embrião/feto terá de passar necessáriamente pela sua morte? Mais uma vez: qual o direito que terá de prevalecer? o da mãe ou o do feto?
Tarzan,
Segundo os meus valores morais, eu também não classificaria o feto como um parasita.
Mas não cabe a mim classificar. Se eu for hospedeiro de um corpo que não o meu, posso tolerar ou não. E ninguém tem que dizer nada. Não interessa se funcionalmente é um parasita. Da mesma maneira que posso ser "explorado" por quem me vende um produto caro. Se o comprei, é porque o valorizei o suficiente. Não há física ou química ou biologia, ou legislação, que me diga se fui ou não explorado. Está tudo na minha cabeça, é um juízo de valor. Quem define se o feto é ou não um parasita é a mãe. Uma mulher que exprima a vontade de abortar está a dizer que aquele corpo alheio não tem lugar dentro do seu próprio corpo. É um parasita, por muito cru que isto possa soar. Que a lei diga que não, não mascara essa realidade.
A questão da proporcionalidade é interessante. A partir do momento que uma pessoa é um intruso, pode ser posto à porta. Mesmo que lá fora a morte seja certa. O facto da morte ser certa, ou de não haver outro modo que não uma expulsão violenta, não minimiza os direitos do proprietário, nem dá ao intruso direitos de resistência...
(sinto a necessidade de dizer, de novo, que considero um aborto, qualquer aborto, um acontecimento trágico...)
"O facto da morte ser certa, ou de não haver outro modo que não uma expulsão violenta, não minimiza os direitos do proprietário, nem dá ao intruso direitos de resistência... "
E é óbvio que o aa não acredita nisto nem um átomo. Porque tal coisa não verdade nem no direito positivo, nem no Direito Natural, nem em qualquer outro quadro ético do comportamento humano. E sendo assim, pergunto-me porque terá o aa dito isto...
caramelo
independentemente da discussão "o embrião é vida ou não" (é, claro) "o embrião é parasita ou não"- parasita é uma palavra forte, mas evidentemente é dependente da mãe, logo não autónomo. se não é autónomo depende das decisões da pessoa cujo corpo "habita". ora uma gravidez indesejada terá consequências no desenvolvimento do feto. difícil de medir científicamente. mas que mulher gravida contra sua vontade deixará de beber alcool ou fumar ou comer o que lhe apetecer? e que consequências terá isso na pessoa que o feto será (como veêm, abstive-me de entrar por caminhos mais psicológicos...).
mas para mim a grande questão é que a despenalização do aborto não é uma promoção do mesmo. é simplesmente admitir que EXISTE a questão. e mais facilmente poder intervir para que se possa resolver. poder falar com cada uma das mulheres que aborta e ensinar a mais básica contracepção pode diminuir grandemente o número de abortos. ou seja, protejem-se vidas futuras (das mães e das crianças) atraves da legalização desta prática, em si violenta para a mulher- ninguém acredite que é fácil abortar...
e por agora chega!!!
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