10 outubro 2006

Indevidos usos


Na sua coluna de opinião no Vida Económica de 6 de Outubro, João Luís de Sousa aprofunda a questão do número de acessos à Internet enquanto indicador de desenvolvimento social e económico. Discute-se, e acertadamente, se não será antes a utilização dada à internet que realmente revela o grau de desenvolvimento do país. No seu artigo, João Luís de Sousa, revela que, segundo um recente estudo da Marktest, as 3 palavras mais inseridas nos motores de busca em Portugal são "sexo", "nuas" e "euromilhões". A partir daqui o cronista orienta o seu discurso para rotular o utilizador de internet português como fútil e culpabilizar a internet pela falta de produtividade dos portugueses apoiando-se no facto estatístico de que os chats têm uma maior utilização precisamente no início das horas de expediente (de manhã e de tarde). O texto sugere, finalmente, que é necessário um maior controlo dos acessos à internet por parte das empresas como forma de aumento de produtividade.

Se, à partida, não vejo qualquer problema em uma empresa poder restringir o acesso a certos locais ou temáticas na internet - quem manda na casa deve ser livre de definir as suas próprias regras - já acho que a definição de "má utilização" da internet um terreno muito pantanoso e não vejo a utilização “fútil” da internet no emprego como uma causa de improdutividade mas como uma consequência. A obsessão por querer controlar tudo o que se passa na empresa pode derivar em "estalinismos" cujas consequências podem ser piores que as que pretende evitar.

Em primeiro lugar, o cronista deveria ter comparado as palavras mais introduzidas em motores de busca em Espanha, Holanda, Irlanda, Suécia, etc... Será que o resultado é muito diferente do português? Escrevo este texto a bordo de um comboio e sem acesso à internet e como também vou estar se internet em casa não vou poder fazer essa investigação. Mas acredito que o cenário não deve ser diferente e isso não explicará certamente o nosso atraso económico e social. Não "m'acredito" que as palavras mais procuradas em Espanha sejam "desarrollo", "economico" ou "filosofia"...

Em segundo lugar, muita da utilização dada aos chats é efectivamente produtiva e muitas vezes, não o sendo, é poupadora de tempo. Em determinados ramos de actividade em que é necessário trabalho em rede ou a discussão de conceitos e de problemas os chats são a melhor das opções (conversa telefónica, reunião pessoal, pombo-correio) uma vez que não "prendem" tanto os interlocutores - as questões são lançadas e podemos terminar a tarefa que temos em mãos antes de nos lançarmos no chat e interromper a participação sem grande prejuízo para a comunicação.

Em terceiro lugar, o facto de se tratar de correspondência pessoal, compras on-line ou pagar contas tem mais efeitos virtuosos que viciosos. Eu, para pagar uma conta no multibanco perco, no mínimo dos mínimos 15 minutos enquanto que via net demoro 2. No meu caso, realizo estas operações quase sempre em casa. Mas se não tivesse internet em casa, certamente que utilizaria a do emprego. E isso deixa-me mais tempo livre para trabalhar e para o lazer (dependendo das circunstâncias).

Finalmente, mesmo que seja certo que a maioria da utilização da internet nos escritórios seja inútil para a empresa isso só reflecte um problema já existente de "falta do que fazer". No meu caso concreto, em alturas de maior aperto de trabalho, a utilização da internet para ler jornais, blogues ou consultar temas da minha esfera de interesses (gajas é mais em casa, que se o patrão me apanha...) reduz-se ao mínimo ou é inexistente. Como tenho liberdade para gerir o meu tempo como me apetecer (tenho prazos pré-estabelecidos para entrega de trabalho que não podem ser excedidos) posso decidir como gerir esse bem escasso que é o tempo. Note o caro leitor que as minhas postas mais longas foram escritas em férias. Esses foram também os textos mais estruturados e mais time consuming sendo as restantes postas classificáveis na categoria de "bitaites" - parvoíce criativa, vamos lá – mais apropriadas a quem tem mais que fazer. Nunca escreveria este texto se não tivesse de fazer uma viagem de 3 horas com muito pouco que fazer para além de ler um jornal ou jogar minesweeper. Onde quero chegar é que se as pessoas “perdem” tempo na net nos seus empregos é porque não têm nada que fazer ou, tendo, não sentem qualquer pressão ou necessidade para o fazer. Impõe-se então um estilo de gestão que motive as pessoas a trabalhar mais eficientemente e a organizar melhor o seu tempo. As chefias deveriam ser aconselhadas a monitorizar e acompanhar o trabalho dos seus “súbditos” e a sancioná-los, incentivá-los ou pressioná-los a fazerem o seu trabalho dentro dos timings previstos. Isso seria mais eficaz do que entrar em esquemas controleiros. É que se o Costa não puder falar com a mulher e os amigos no chat, de certeza que vai desanuviar a fazer o sudoku do Público, meter conversa com o Santos (passando a ser dois improdutivos) ou ler “A Bola”. Trabalhar é que não vai de certeza.

3 Commets:

Anonymous Anónimo said...

Nem se nota a tremideira do comboio :)

Plenamente de acordo

PS. Estou na minha hora de almoço.

Sauridio

1:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A cada dia que passa vou passando de cliente assíduo a cliente obrigatório deste blog.
Bravo!
Duarte

3:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nem mais! Só não percebi foi a cena das gajas em casa... :) logo falamos!

4:42 da tarde  

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