04 março 2008

Fórmula 1, esse argumento anti-liberal

Um liberal pugna por uma economia assente em agentes privados (por oposição a uma economia assente no sector estatal) e concorrencial (por oposição a mercados monopolistas ou oligopolistas). Mas, mesmo num sector sem empresas estatais poderá haver intervenção estatal caso o estado decida intervir com forte regulamentação. Também aqui os liberais se manifestam contra uma vez que isso desvirtua (distorce) a livre concorrência e não faz corresponder a realidade ao resultado que seria produzido pelo conjunto de decisões produzidas pelos agentes quando deixados em liberdade. Argumenta-se que os resultados obtidos sem regulamentação são mais eficientes – melhores resultados com custos associados inferiores.

O que acontece na Fórmula 1 e noutros desportos motorizados desmente, em parte, esta visão. É verdade que uma boa parte da regulamentação que visa aumentar a segurança mediante a redução da velocidade atingida pelos bólides acaba por não conseguir os seus objectivos - o progresso tecnológico acaba por ultrapassar as dificuldades impostas conseguindo-se que, no final da época, os carros já andem mais depressa do que antes das restrições serem impostas. Mas o que acaba por acontecer é que são as restrições impostas pela regulamentação que estimulam a evolução tecnológica e conseguem viaturas mais eficientes. Provavelmente mais eficientes que as que surgiriam em ambientes menos regulamentados. Mesmo em matéria de segurança, os avanços são significativos, não porque os pilotos a isso tenham obrigado ou porque as equipas tenham sentido a necessidade de manter a integridade física dos seus pilotos. Tal aconteceu por imposições da autoridade encarregue de organizar o campeonato.

Todos os anos se acrescentam mais restrições (nem sempre conseguindo cumprir os objectivos para que foram criadas, é certo) as equipas de certeza que não rejubilam no dia em que sai o novo regulamento (isso significa mais trabalho, mais esforço, mais incerteza e mais investimento) e nem por isso parece haver desincentivo a competir. A regulamentação tem-se preocupado em incentivar a inovação que em parte acaba por se traduzir mais tarde no avanço tecnológico dos automóveis comuns. Sem regulamentação no desporto automóvel teríamos hoje carros tão económicos, seguros e eficientes?

6 Commets:

Blogger alf said...

Interessantíssimo exemplo!

Importa já agora acrescentar outra coisa: a regulamentação serve ainda para combater a globalização, desenvolvendo assim as capacidades locais.

É por isso que não há carros americanos na fórmula 1, os japoneses têm apenas uma presença desajustada à importância da sua industria automóvel e possivelmente ligada às suas parcerias europeias.

Sobretudo, é por isso que só há carros americanos (creio eu) nas corridas americanas. A Globalização só funciona da américa para fora, não da américa para dentro.

2:28 da manhã  
Blogger NC said...

Não há carros americanos mas já houve e não há muito tempo. Eram os Lola. Os japoneses também andam na fórmula 1 há muito tempo. Hoje temos a Toyota - que até não se sai mal - mas, por exemplo, a Honda deu cartas durante uns 10 anos na década de 80/90.

Não me parece que a não presença de estas ou aquelas equipas tenha a ver com isso. Acho tem mais a ver com boa publicidade. Só entram se tiverem alguma hipótese de fazer boa figura. É raro ver marcas de renome na cauda das classificações.


«desenvolvendo assim as capacidades locais.»

Isso já é um bocado relativo. As capacidades só se desenvolvem se houver estímulo a tal. Se se protege o mercado de concorrentes, o estímulo desaparece. Se não há alvos a abater para quê limpar as armas?

11:52 da manhã  
Blogger NC said...

Correcção!

A Honda participa este ano na F1 com uma equipa inteiramente sua.

2:30 da tarde  
Blogger Diogo Almeida said...

Diria que não foi a investigação no desporto automóvel que, de modo generalizado, conduziu à inovação da indústria automóvel, embora isso possa ter acontecido nalgumas situações.
Não acho, sequer, que tenha sido a regulação a promover a inovação, apenas forçou as best practices a todos os pares. O airbag não foi obviamente criado pela mente brilhante de um burocrata mas de um inventor que quis proteger a sua família(http://en.wikipedia.org/wiki/Airbag ).
Quanto ao desporto automóvel tenho poucas dúvidas de que, sem regulação, a performance desportiva e a optimização económica integrada do sistema (únicos drivers da actividade)seriam muito melhores do que os actuais. Em termos de segurança, estou certo de que algumas coisas seriam feitas, caso as marcas quisessem ter os melhores pilotos, mas provavelmente haveria maior diversidade, com carros mais seguros e outros menos seguros. Seria mais uma espécie de Corrida Mais Louca e menos uma auto-estrada americana, com tudo à mesma velocidade. Porém, por definição, a Fórmula 1 é detida pela FIA, dona e senhora de criar as regras que bem entender, claro está.

10:34 da manhã  
Blogger NC said...

Diogo,

«Em termos de segurança, estou certo de que algumas coisas seriam feitas, caso as marcas quisessem ter os melhores pilotos, mas provavelmente haveria maior diversidade, com carros mais seguros e outros menos seguros.»

A partir da morte de Ayrton Senna e outro piloto que agora não me lembro, é que começou a haver um crescer da preocupação com a segurança. Até lá, não houve ninguém a implementar uma série de medidas de segurança que hoje parecem óbvias e elementares (e caso houvesse desregulamentação duvido que desaparecessem) e que nunca foram aplicadas. Nem provavelmente o seriam caso não se regulasse nesse sentido.

Também admito que se não houvesse regulamentação, as equipas tenderiam para uma solução que promovesse mais espectacularidade de forma a que as audiências do desporto fossem superiores.


«Diria que não foi a investigação no desporto automóvel que, de modo generalizado, conduziu à inovação da indústria automóvel, embora isso possa ter acontecido nalgumas situações»

Discordo. A fórmula 1 tem servido de tubo de ensaio para o aperfeiçoamento e inovação tecnológica no sector automóvel. Motores de injecção, gestão electrónica, caixas semiautomáticas, potências específicas de 100Cv/litro só foram possíveis de aparecer, em carros de série tão "cedo" porque foram soluções técnicas já ensaiadas em competição (não só F1).

4:25 da tarde  
Blogger Diogo Almeida said...

OK, refraseando:

«Diria que não foi a investigação no desporto automóvel conduzida pela regulamentação, que, de modo generalizado, conduziu à inovação da indústria automóvel, embora isso possa ter acontecido nalgumas situações»

Ou seja, claro que as marcas tiram proveito do desporto automóvel para ensaio de novas soluções, em especial as marcas mais desportivas, mas a regulação desportiva só parece útil porque, no fundo, replica/antecipa a regulação que também existe na sociedade. Como ambas empurram para o mesmo lado, em determinadas condições pode parecer visionária. É-o, porque escreve a história.

6:12 da tarde  

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