17 agosto 2006

Dicotomias


Oiço na rádio um relato histórico acerca de compositores de música. A páginas tantas diz-se uma das dicotomias mais típicas nos media e na opinião pública. Uma das personagens (Hector Berlioz) era considerado “de direita” e portanto “reaccionário” enquanto outros (como, por exemplo, Beethoven) era de “esquerda” e portanto “progressista”.

Se em política é normal o rótulo, muitas vezes redutor, de esquerda/direita que, em si, não tem nada de pejorativo ou qualificativo, já o rótulo “reaccionário” vs. “progressista” é tudo o contrário. Vejamos. Se “esquerda”=”progressista” então um gajo de esquerda é um tipo “práfrentex” que é “favorável ao progresso”1 e ao desenvolvimento – um gajo fixe. Por outro lado, se “direita”=”reaccionário” então um tipo de direita é um gajo conservador e “contrário à liberdade”2 – um gajo bera.

Esta dicotomia é não só redutora e falaciosa mas, segundo constato, bastante comum nos meios de comunicação e nas conversas de café. Redutor porque extrema as convicções dos rotulados como se o mundo fosse a preto e branco. Falacioso porque a evidência histórica e actual demonstra que existe uma enorme quantidade de exemplos em que “esquerda”=”reaccionário” e “direita”=”progressista”. Vejam-se os exemplos dos regimes comunistas que na maioria (senão todos) os casos são regimes totalitários e “contrários à liberdade”. Como é óbvio, Salazar ou Pinochet serão um dos muitos exemplos de ditadores ligados à “direita”. Como me parece óbvio, não há uma correlação entre o autoritarismo e o facto de ser direita ou esquerda. São questões independentes. A ideologia (de esquerda ou direita) é apenas a massa lubrificante dos ditadores que, no fundo, se estão borrifando para esta. É acenando com fantasmas que estes conseguem o poder absoluto com o apoio das massas.

Mesmo sem cair nestes exemplos extremos, e que me levariam a consumir uns milhares de bits deste blogue, encontramos na sociedade ocidental actual exemplos de como esta dicotomia é errada. Senão vejamos: um reaccionário é aquele que “reage” contra toda e qualquer mudança. Na acepção “portuguesa contemporânea” da palavra, o reaccionário era aquele que estava contra a revolução do 25 de Abril e que reagia perante esta mudança. Como a revolução nos trouxe a liberdade, o reaccionário (segundo a lógica aristotélica) é inimiga da liberdade. Simples, não? Como resultado, perdeu-se a verdadeira acepção da palavra reaccionário. O que se constata, do meu ponto de vista, é que na sociedade actual, as forças de esquerda mais radicais são as mais conservadoras e avessas à mudança enquanto que as correntes liberais (mais associadas pelos primeiros à “direita”) são as que, no plano das ideias, defendem o progresso e a liberdade de escolha. O discurso de esquerda típico nos nossos jornais e noticiários é contra a globalização, a liberalização da economia (são mais a favor da liberalização dos costumes), contra as tão necessárias reformas na máquina estatal, olham a iniciativa privada com desprezo e defendem um estado centralizador. Querem mais anti-liberdade e mais conservador? Não há reforma do ensino, saúde, lei laboral que por mais óbvia, justa e necessária que não traga para a rua uma manifestação de um sindicato ideologicamente comprometido e devidamente amplificado por noticiários. Haverá maior aversão à mudança? Não há reunião de países industrializados que não redunde em violência nas ruas contra a globalização. Querem mais anti-progresso?

Por isso desconfio de todo o discurso maniqueísta e rotulante, venha ele de onde vier – do sr. Bush com o seu eixo do mal ou de Mahmoud Ahmadinejad e a sua a ameaça sionista.




1 - Dicionário da língua portuguesa on-line da Priberam
2 - idem