19 setembro 2007

A autoridade e a estupidez


Ainda no seguimento da temática do post anterior, gostaria de escrever umas considerações mais filosóficas. A desconfiança em relação aos mercados tem subjacente, na maioria dos casos, a crença na estupidez humana. Assume-se que o Homem é estúpido e mau por natureza e daí a necessidade de proteger os Homens uns dos outros. Confia-se que, com base numa autoridade inteligente, culta, preparada, moralmente superior evitam-se todos os disparates que o Homem, deixado à mercê das suas decisões, é capaz.

Não que eu discorde da estupidez humana. Ela existe e é aliás um mal muito abundante. Mas, como diria François de La Rochefoucauld: "Toda a gente se queixa da sua falta de memória, mas ninguém se queixa da sua falta de senso." Por outras palavras, ninguém vê estupidez ou falta de razão em si próprio (o RAP já se acusou e é a excepção que confirma a regra he!he!) ; só nos outros. E não é raro criticarmos as opções económicas que os outros fazem sistemáticamente. Eu, por exemplo, não entendo como é possível que tanta gente compre jipes (ainda para mais de alta cilindrada) para os utilizar em estrada e cidade e não no campo onde a sua utilização me parece mais racional e necessária. Também acho estúpido ver telenovelas: são todas iguais. Isso deriva de dois factores: das preferências de cada um e das diferenças de percepção da realidade. As primeiras definem-se como a valorização que cada um dá a determinados aspectos dos bens que escolhe adquirir ou não. Quem compra jipes de alta cilindrada não estará muito interessado em eficiência energética ou ecologia, dará sobretudo valor ao status que o veículo lhe proporciona ou à componente estética do mesmo. As diferenças de percepção definem-se por si próprias: cada indivíduo apreende a mesma realidade de forma diferente. Ao ver uma telenovela muita gente sente despertar em si uma série de emoções e sente prazer nisso. Outras não... A percepção de que os outros são estúpidos prendem-se, na maioria dos casos, com estas duas características ligadas à heterogeneidade do ser humano.

Sendo autoridade feita e exercida por homens, nada nos garante que eles não serão estúpidos. Se forem estúpidos aos olhos da maioria rapidamente perderão o comando da autoridade e, em alguns casos, perante essa possibilidade arranjam formas de se agarrar ao poder para continuar a impor a sua visão estúpida aos estúpidos que com ela não concordem. (Señor Chaveeeeez)

Mas existe algo que também preocupa os cépticos do mercado: as externalidades. O livrinho que tenho aqui define externalidade como «custos e benefícios que não passam pelo mercado»; a sebenta diz que externalidade acontece quando «a actuação de um determinado agente económico influencia o bem-estar ou lucro de outro agente sem que esta interdependência seja obtida através do sistema de preços». Resumindo, quando alguém nos proporciona algo que "ninguém mandou vir", acontece uma externalidade. As externalidades negativas acontecem a toda a hora e resultam da interacção dos indivíduos. Só os eremitas não causam externalidades. No normal funcionamento dos mercados (como centros de interacção entre pessoas que são) é muito comum acontecerem externalidades negativas. A preocupação com este aspecto parece-me fundada e entendo-a perfeitamente. Mas tem solução. E, na maioria dos casos, não passa por manietar o mercado embora essa possa parecer a forma mais simples, lógica e habitual. Pode resolver-se com mais interacção entre os indivíduos (ex: bater à porta do vizinho de cada vez que ele põe a música muito alta) com o objectivo de lhe tentar alterar a percepção da realidade e/ou as suas preferências. Ou criar um mercado para transaccionar as externalidades (ex: mercado de emissões) passando a impor um custo que de outra maneira não existiria e cuja determinação de forma arbitrária seria sempre ineficiente.