31 agosto 2007

A irracionalidade do mercado


O alf recomendou-me este texto que fala de Finanças Comportamentais. Básicamente esta "disciplina" trata do lado psicológico e sociológico inerente ao comportamento aos mercados financeiros. Como tal, assume que os mercados não são, como tradicionalmente se assume, exclusivamente guiados pela racionalidade que o torna eficiente. O texto fala de um estudo realizado com títulos, transacionados nos mercados norte-americanos, e recomendados num programa de televisão. Constatou-se que o programa produziu efeitos de curto prazo mas ao fim de duas semanas os preços retomavam os níveis anteriores. Este é o mote para discutir a racionalidade dos mercados que se assumem, classicamente, como o supra-sumo da racionalidade.

Confesso que a constatação do estudo me surpreendeu uma vez que tenho a ideia de que os mercados nos EUA estão muito atomizados, e que o número de financeiros profissionais é também elevado. Isto implica que a informação relevante para a formação dos títulos é sujeita a um escrutínio muito apertado. O acerto entre os milhões de agentes envolvidos, produzem à partida preços equilibrados. A explicação que encontro prende-se com o facto de nos EUA um número significativo de investidores serem cidadãos comuns e que não fazem do mercado a sua vida. Em vez de fazerem um depósito a prazo ou comprarem certificados de aforro, investem em carteiras de títulos. Por serem cidadãos comuns estejam menos preparados para lerem a informação que lhes chega e por serem muitos conseguirem influenciar a trajectória dos preços.

Mas a que deverá corresponder o preço de um título? Uma acção representa uma (ínfima parcela) do valor de uma empresa da qual o accionista é proporcionalmente detentor. O valor facial da acção representa um valor contabilístico: se uma empresa dispersar todo o seu capital em bolsa, o somatório dos valores faciais corresponde necessáriamente ao valor contabilístico do Capital Próprio - o Capital Próprio corresponde, por sua vez, ao valor do total dos activos deduzido das obrigações contraídas pela empresa face a terceiros (dívidas a bancos, fornecedores, etc...). Depois existe o valor a que as acções é transaccionada e que, salvo muito raras excepções, é sempre mais elevado que o valor contabilístico. Porquê? Porque o investidor não está apenas interessado no valor contabilístico dos bens e pessoas associados às empresas de que é co-proprietário. O que interessa ao investidor é a capacidade de gerar lucro que a empresa tem. E gerar lucro até ao fim da sua actividade. Logo aqui já temos duas fontes de subjectividade: a avaliação da capacidade de gerar lucro no presente e a mesma capacidade no futuro. Ah! e ainda existem as perspectivas de até quando é que a empresa irá existir.

Para se formar um preço, os agentes têm de assumir cenários e modelos que se ajustem o melhor possível à realidade. Para tal é necessário consumir a maior quantidade e qualidade de informação possível. Cada um formará a sua noção de "preço certo" (preço a partir do qual acha que vale a pena vender/comprar) e tentará aproveitar o mercado para se desfazer das acções que, no seu juízo, estejam sobrevalorizadas e comprar as que ache que estão subvalorizadas. Porque o investidor está convencido que, mais tarde ou mais cedo, os restantes agentes irão concordar com ele e o preço será aquele que ele acha. Só que à velocidade a que o mundo e os mercados andam hoje em dia, as noções de "preço certo" de cada um dos agentes modifica-se à velocidade a que nova informação relevante aflui. Esta é a parte racional do mercado.